A arte de ver, ouvir e sentir o cinema
A arte de ver, ouvir e sentir o cinema
A arte do ver, ouvir e sentir o cinema1
Narrativas de alteridades
Noale Toja
O ano de 2017 foi um acontecimento de boas e delicadas surpresas.
Ingressar no doutorado foi uma delas, sobretudo numa linha de pesquisa que trabalha com os Cotidianos, Redes Educativas e Processos Culturais, num projeto que investiga como a educação envolve e se apropria da situação dos movimentos migratórios, nos modos como as questões sociais se transformam em questões curriculares nas escolas.
Outra grata surpresa foi em janeiro, conhecer o Museu da Imigração de São Paulo com a equipe do Museu da Imigração do Rio de Janeiro – Ilha das Flores e depois em abril, visitar este último Museu com minhas companheiras e companheiros da pesquisa na qual estou inserida.
Muitos conhecimentos enredados em memórias de migrantes que somos, e muitas emoções ao tentar descobrir, se nossos parentes queridos por aquelas portas atravessaram. E no nosso imaginário, como viajantes em terras errantes, pequenas narrativas passavam por uma memória ficcionada em espaçostempos nunca experienciados, apenas criado por histórias contadas pelos nossos antepassados.
Ao mesmo tempo em que fomos conhecendo essas narrativas de histórias de vidas pessoais, nossas e as expostas no museu, fomos percebendo as tensões cotidianas que constituíram nos espaçostempos daquelas antigas hospedarias, como lugar de acolhida de pessoas que se refugiaram no Brasil por diferentes motivos. Esse acontecimento me fez sentir numa grande Babel, como os próprios museus visitados revelam as tensões existentes pelas diversidades culturais e sociais que habitavam naqueles lugares, quando esses foram portas de entrada, hospedagens dos migrantes e pontes de intermediações e triagem.
Ingressar no doutorado foi uma delas, sobretudo numa linha de pesquisa que trabalha com os Cotidianos, Redes Educativas e Processos Culturais, num projeto que investiga como a educação envolve e se apropria da situação dos movimentos migratórios, nos modos como as questões sociais se transformam em questões curriculares nas escolas.
Outra grata surpresa foi em janeiro, conhecer o Museu da Imigração de São Paulo com a equipe do Museu da Imigração do Rio de Janeiro – Ilha das Flores e depois em abril, visitar este último Museu com minhas companheiras e companheiros da pesquisa na qual estou inserida.
Muitos conhecimentos enredados em memórias de migrantes que somos, e muitas emoções ao tentar descobrir, se nossos parentes queridos por aquelas portas atravessaram. E no nosso imaginário, como viajantes em terras errantes, pequenas narrativas passavam por uma memória ficcionada em espaçostempos nunca experienciados, apenas criado por histórias contadas pelos nossos antepassados.
Ao mesmo tempo em que fomos conhecendo essas narrativas de histórias de vidas pessoais, nossas e as expostas no museu, fomos percebendo as tensões cotidianas que constituíram nos espaçostempos daquelas antigas hospedarias, como lugar de acolhida de pessoas que se refugiaram no Brasil por diferentes motivos. Esse acontecimento me fez sentir numa grande Babel, como os próprios museus visitados revelam as tensões existentes pelas diversidades culturais e sociais que habitavam naqueles lugares, quando esses foram portas de entrada, hospedagens dos migrantes e pontes de intermediações e triagem.
E por último, uma surpresa com sabor e cheiro de pipoca, foi vivenciar o cineclube no grupo de pesquisa, com a poética em trazer outras linguagens ao universo da educação como manifestação de pensamentos sensíveis na produção do conhecimento.
Na companhia de pessoas que ali estavam, não apenas para apreciar um bom filme, mas para fazer parte daquelas narrativas com suas sensações e impressões, assisti a vários filmes sobre migrações. Um deles, “Cinemas, aspirinas e urubus” (direção: Marcelo Gomes, 2005, Brasil), se passa no sertão nordestino em 1942, traz a história de um alemão que vem para o Brasil fugido da 2a guerra mundial. Trabalha como representante da Aspirina na Bayer do Brasil e monta uma estrutura ambulante, feita com um caminhão, onde ele tem uma parafernália de projeção de cinema que exibe um filme publicitário da aspirina como atrativo e indutor de desejos do uso da tal pílula da felicidade2. Ele corta o sertão visitando pequenas cidades do interior do Brasil, vendendo seu precioso produto.
Na companhia de pessoas que ali estavam, não apenas para apreciar um bom filme, mas para fazer parte daquelas narrativas com suas sensações e impressões, assisti a vários filmes sobre migrações. Um deles, “Cinemas, aspirinas e urubus” (direção: Marcelo Gomes, 2005, Brasil), se passa no sertão nordestino em 1942, traz a história de um alemão que vem para o Brasil fugido da 2a guerra mundial. Trabalha como representante da Aspirina na Bayer do Brasil e monta uma estrutura ambulante, feita com um caminhão, onde ele tem uma parafernália de projeção de cinema que exibe um filme publicitário da aspirina como atrativo e indutor de desejos do uso da tal pílula da felicidade2. Ele corta o sertão visitando pequenas cidades do interior do Brasil, vendendo seu precioso produto.
Imagem 1: Cartaz de divulgação 3
O personagem alemão é apresentado como boa gente, que adora aquela condição de suposta liberdade, com todos os percalços de estar em terra estrangeira. Para suprir sua solidão, numa de suas andanças ele oferece carona para um sertanejo que quer fugir para São Paulo em busca de uma vida melhor, sem a miséria econômica do interior.
Os dois se tornam amigos, em que um apresenta ao outro as suas humanidades a partir de questionamentos de valores singulares de cada um.
Por ser tratar da história de migrantes, o filme revela os contrastes e astucias que cada um dos personagens estabelece na convivência com os Outros, pessoas e objetos, como artefatos e suas bricolagens (Certeau, 2014),
Os dois se tornam amigos, em que um apresenta ao outro as suas humanidades a partir de questionamentos de valores singulares de cada um.
Por ser tratar da história de migrantes, o filme revela os contrastes e astucias que cada um dos personagens estabelece na convivência com os Outros, pessoas e objetos, como artefatos e suas bricolagens (Certeau, 2014),
Imagem 2: Cena do filme Cinema, aspirinas e urubus.
existentes em espaçostempos marcados pelo desejo de sobrevivência que está sendo negociado nos modos de existir.
Com a linguagem própria do sertanejo, misturada à linguagem do jovem alemão vendedor de aspirinas que tem como artefato a magia do cinema, abriga neste mesmo artefato, a tática, (CERTEAU, 2014) que o jovem alemão usou para se manter invisível diante da situação da guerra, que para o sertanejo pode ser a tática de tornar visível na situação de guerrilha.
O evento é um acontecimento de cidade em cidade, no breu das praças ou vielas do sertão, a noite se torna sala de cinema para a avant première O Brasil Maravilhoso, filme que mostra as maravilhas do Brasil com foco na grande São Paulo, incentivando o êxodo rural, pelas maravilhas dos avançostecnológicos,asgasturasdoscotidianos,exibindopessoasque usam a pílula em busca do Fim para Todos os Males. Ao término do curta-metragem, uma fila de pessoas é formada junto ao caminhão para comprar cartelas e mais cartelas da pastilha aspirina.
Cinema, aspirinas e urubus, permite transitarmos por espaçostempos distintos, dilatados, imbricados, comprimidos (DELEUZE,2008),quando nos traz dois conflitos de distintas dimensões referentes à existência que levam os personagens à fuga – do norte para sul – um jovem que foge de um país colonizador, que busca o poder na pureza da raça pela guerra, e que se refugia no Brasil colonizável por forças hegemônicas, e se confronta com um Outro vinculado a miscigenações e que foge da seca e da miséria em busca do oásis na grande São Paulo.
Com a linguagem própria do sertanejo, misturada à linguagem do jovem alemão vendedor de aspirinas que tem como artefato a magia do cinema, abriga neste mesmo artefato, a tática, (CERTEAU, 2014) que o jovem alemão usou para se manter invisível diante da situação da guerra, que para o sertanejo pode ser a tática de tornar visível na situação de guerrilha.
O evento é um acontecimento de cidade em cidade, no breu das praças ou vielas do sertão, a noite se torna sala de cinema para a avant première O Brasil Maravilhoso, filme que mostra as maravilhas do Brasil com foco na grande São Paulo, incentivando o êxodo rural, pelas maravilhas dos avançostecnológicos,asgasturasdoscotidianos,exibindopessoasque usam a pílula em busca do Fim para Todos os Males. Ao término do curta-metragem, uma fila de pessoas é formada junto ao caminhão para comprar cartelas e mais cartelas da pastilha aspirina.
Cinema, aspirinas e urubus, permite transitarmos por espaçostempos distintos, dilatados, imbricados, comprimidos (DELEUZE,2008),quando nos traz dois conflitos de distintas dimensões referentes à existência que levam os personagens à fuga – do norte para sul – um jovem que foge de um país colonizador, que busca o poder na pureza da raça pela guerra, e que se refugia no Brasil colonizável por forças hegemônicas, e se confronta com um Outro vinculado a miscigenações e que foge da seca e da miséria em busca do oásis na grande São Paulo.
Imagem 3: Caminhão que carregava os equipamentos de projeção e as aspirinas.
E nesse encontro bifurcado e de entroncamentos, revela-se a arte do fazer cotidiano – comer, conversar, caminhar pelas caatingas, ouvir as notícias da guerra no rádio, ouvir músicas, transar, rezar, seduzir a mulher, dirigir o caminhão, sentir a traição, transitar no puteiro, fazer contas, curar picada de cobra, ver cinema, comprar aspirinas, vender aspirinas, ludibriar as forças das pequenas estruturas de poder para evitar deportação, migrar. Esses são movimentos e acontecimentos que se dão no inesperado e que potencializa os modos de existir.
A experiência do cineclube nos apresenta o cinema no domínio de uma multilinguagem que se constrói na base da imagem-movimento, estando apto a “revelar ou a criar um máximo de imagens diversas, e, sobretudo, a compô-las entre si através da montagem. Há imagens-percepção, imagens-ação, imagens-afecção, e muitas outras.” (DELEUZE, 2008, p. 62). Estar coletivamente investigando as questões ordinárias tratadas no cinema é desvendar sensibilidades ocultas em imagenssonoras criadas, espaçostempos manipuláveis, que nos levam ao exercício de alteridade; e nos coloca na condição de praticantespensantes, num momento desafiador de entroncamentos e bifurcações políticas, ao fazer uso de astucias e artefatos, abrindo portas laterais, brechas e fendas para possíveis caminhos de criação de outros modos de existir na educação, considerando os Outros, migrantes em diferentes situações que nos tornam um bricoler.

2, 3 Impressão da autora.
Referências:
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano – Artes de fazer – 22a ed., Vol.1. Petrópolis: Vozes, 2014.
CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS. Direção: Marcelo Gomes. Brasil. 2005, cor. Disponível em: <https://www.google.com.br/search?q=filme+aspirina&oq=filme++aspiri na&aqs=chrome..69i57j0l3.8065j0j4&sourceid=chrome&ie=UTF-8>. Acesso em: 14 nov. 2017.
A experiência do cineclube nos apresenta o cinema no domínio de uma multilinguagem que se constrói na base da imagem-movimento, estando apto a “revelar ou a criar um máximo de imagens diversas, e, sobretudo, a compô-las entre si através da montagem. Há imagens-percepção, imagens-ação, imagens-afecção, e muitas outras.” (DELEUZE, 2008, p. 62). Estar coletivamente investigando as questões ordinárias tratadas no cinema é desvendar sensibilidades ocultas em imagenssonoras criadas, espaçostempos manipuláveis, que nos levam ao exercício de alteridade; e nos coloca na condição de praticantespensantes, num momento desafiador de entroncamentos e bifurcações políticas, ao fazer uso de astucias e artefatos, abrindo portas laterais, brechas e fendas para possíveis caminhos de criação de outros modos de existir na educação, considerando os Outros, migrantes em diferentes situações que nos tornam um bricoler.
1 Publicado no jornal web do Laboratório de Educação e Imagem - GrPesq Currículos, Redes Educativas, Imagens e Sons - ProPEd -UERJ - Ano.2017.http://www.lab-eduimagem.pro.br
<https://www.google.com.br/search?q=filme+aspirina&oq=filme++aspirina&aqs=chrom e..69i57j0l3.8065j0j4&sourceid=chrome&ie=UTF-8>. Acesso em: 14 nov. 2017.
Fonte: CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS. Direção: Marcelo Gomes. Brasil. 2005, cor. Disponível em: Acesso: 2017
Referências:
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano – Artes de fazer – 22a ed., Vol.1. Petrópolis: Vozes, 2014.
CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS. Direção: Marcelo Gomes. Brasil. 2005, cor. Disponível em: <https://www.google.com.br/search?q=filme+aspirina&oq=filme++aspiri na&aqs=chrome..69i57j0l3.8065j0j4&sourceid=chrome&ie=UTF-8>. Acesso em: 14 nov. 2017.
DELEUZE, Gilles. Conversações. ed. 34, 2008. Sobre a autora:
Cursa Doutorado em Educação, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ProPEd/UERJ), sob orientação da professora Nilda Alves. Colaboradora do projeto Oi Kabum! Lab, espaço de criação em arte e tecnologia, junto ao Centro de Criação de Imagem Popular – CECIP, Rio de Janeiro. E-mail: noaletoja22@gmail.com.
Cursa Doutorado em Educação, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ProPEd/UERJ), sob orientação da professora Nilda Alves. Colaboradora do projeto Oi Kabum! Lab, espaço de criação em arte e tecnologia, junto ao Centro de Criação de Imagem Popular – CECIP, Rio de Janeiro. E-mail: noaletoja22@gmail.com.
Comentários
Postar um comentário