CORPOS TECNOLÓGICOS. SENSORES-EMOÇÕES: AMPLIFICANDO O CORPO-ESPAÇO
CORPOS TECNOLÓGICOS.
SENSORES-EMOÇÕES: AMPLIFICANDO O CORPO-ESPAÇO
TECHNOLOGICAL BODIES.
SENSORS-EMOTIONS: AMPLIFYING THE BODY-SPACE
Noale Toja
UERJ/PropEd -Brasil
Marco Correa
UERJ/PropEd -Brasil
marcao_cp2@hotmail.com
Linha 2: Poéticas visuais e processos de criação.
Participação no III Seminário de Artes Visuais - Instituto Ëscuela Nacional de Bellas Artes - Universidad de la República Uruguay - Ano: 2019
Resumo
A docilização e o controle dos corpos traz marcas representadas em padrões que desfilam e se repetem em gestos, sensações, comportamentos, indumentárias, sujeitando-os a ‘corpos políticos’, como uma alegoria forjada, submetidos aos modelos econômicos, ideológicos e culturais hegemônicos. Dessa forma, o corpo vai perdendo seu movimento ingênuo, as sensações livres, e vai embrutecendo, adormecendo até quase apagar os sentimentos de potência. Por outro lado, o corpo como um ente tecnológico, inspira a ciência a criar artefatos tecnológicos que ousamos dizer são a extensão dos nossos corpos ou, como algo superior ao próprio corpo, negando as ações sensoriais e afetivas que os corpos produzem nos usos e na sua capacidade de sentir.
Respondendo aos comandos maquínicos de diferentes microestruturas de poder, os corpos, na contemporaneidade, buscam caminhos performáticos para exacerbar o contido e para o reconhecimento da potência do próprio corpo. Com esse sentimento é que foi pensada a oficina “Corpos tecnológicos”, no Oi Kabum! Lab, numa proposta de investigação artística acerca dos sentidos e linguagens dos corpos como dispositivos tecnológicos que desenvolvem códigos abertos e fechados que são representados por uso de sensores e outros dispositivos digitais levando à criação coletiva de performances que refletem os automatismos da vida contemporânea em ‘corpomáquina’. É sobre essa experiência que este ensaio pretende se inspirar.
Palavras-chave: Performance. ‘Corpomáquina’. Sensores . Código Aberto.
Abstract:
The docilization and control of bodies brings marks represented in patterns that are paraded and repeated in gestures, sensations, behaviors, and clothing, subjecting them to 'political bodies', as a forged allegory submitted to economic, ideological and cultural models. In this way, the body loses its naive movement, the free sensations, and go brutalizing, falling asleep until it almost erases feelings of power. On the other hand, the human body as a technological entity, inspires science to create technological artifacts that we dare say to be an extension of our bodies, or as something superior to our own body, denying the sensorial and affective actions that bodies produce in the uses of their ability to feel.
Responding to the machinic commands of different power microstructures, bodies in the contemporary world seek performative ways to exacerbate the contained and to recognize the power of the body itself. With this feeling, it was thought the workshop "Technological bodies" in Oi Kabum! Lab, in a proposal of artistic research about the senses and languages of bodies as technological devices that develop open and closed codes that are represented by the use of sensors and other digital devices leading to the collective creation of performances that reflect the automatisms of contemporary life in Bodymachine. It is about this experience that this essay is intended to inspire.
Keywords: Performance. Bodymachine. Sensors. Open code.
Corpos segmentados?
O que é um corpo tecnológico? Esta foi uma das perguntas que animou uma conversa dentro da oficina de “Corpos tecnológicos”, desenvolvida no laboratório de intervenções artísticas, Oi Kabum! Lab, que aconteceu em abril de 2019, como um processo investigativo do corpo como tecnologia indumentado por códigos abertos e fechados.
Esse trabalho foi desenvolvido com 16 pessoas entre 18 e 29 anos, vindas de ambientes/segmentos considerados periféricos. Todas com afinidades artísticas entre elas, se dispuseram a investigar os movimentos da vida tatuados nos corpos, numa ideia de fazer arte.
A intenção desta oficina foi trabalhar os corpos como dispositivo tecnológico, munido de diferentes sensores que o próprio corpo possui, que em sinestesia, são acionados a partir de agenciamentos e afetos. Ao mesmo tempo, a oficina, ao conectar-se com esse dispositivo propõe-se a pesquisar outros dispositivos tecnológicos eletroeletrônicos, analógicos e digitais como um processo investigativo das emoções.
O resultado dessa pesquisa é a realização de movimentos performáticos em que expressam um corpo na sua potência como dispositivo criador que, em ‘conversas’ com artefatos, transforma em arte os sentimentos que habitam nos conflitos que são naturalizados na vida cotidiana.
Uma das questões disparadoras foi perceber o corpo como código aberto e fechado. Dessa forma, nos indagamos, o quanto os corpos são segmentados? Em quantos padrões, formatos, formas, o nosso corpo é moldado? Como respondemos a cada um desses padrões e como criamos outros modelos de corpos? Estas questões estão ligadas diretamente ao que representamos ou nos fazem representar como corpos sociais, políticos e culturais.
Diante dessas questões, as pessoas refletiram acerca da sua condição de vida, pensando nas formas culturais que foram se fazendo nas instituições de controle (FOUCAULT, 1987), como na família, na escola, na igreja, e a própria pessoa, como uma autopolícia, modelando os comportamentos, os pensamentos e os sentimentos. Ao passo que essa modelagem acontece vão se cristalizando personagens que atuam de diferentes maneiras, em diferentes ‘espaçostempos’, tendo que corresponder violentamente às expectativas daqueles ‘ambientes’, negando a sua potência de existir como uma pessoa que É, na sua singularidade.
A sociedade ocidental, com suas elucubrações concebidas no iluminismo racional da Europa do século XVIII, parte da lógica dualista, dicotômica, onde só se pode ser ou estar uma coisa ou outra. Criando assim uma divisão entre o corpo físico e a razão ilustrada, onde o ‘Homem’ deveria superar a própria bestialidade do seu corpo, através da razão, para criar um senso universal de bem estar coletivo.
Essas ambições desencadearam no projeto colonial, que subjugou parte do mundo ao mando do ocidente em um suposto processo civilizatório universal. Desencadeou, consequentemente, no liberalismo clássico, a criação do conceito de competição como garantia de inovações para toda a sociedade. E, finalmente, incutindo na sociedade a ideia de que o capital é poder, o qual é o obtido através das informações que são intermediadas pelos artefatos tecnológicos que foram criados e agregados ao longo dos tempos e que possuímos e criamos a cada geração. Essas práticas estabeleceram um ciclo desigual, criando linhas abissais nesse sistema, reforçando as situações de exclusão e inaptidão social, cultural, econômica e política.
Na ideia capitalista e do consumo, criou-se um corpo segmentado, como se não houvesse uma comunicação entre células, órgãos, membros, neurosensores, energias, como se cada uma dessas coisas tivessem tivessem funções individualizadas, identidade própria e atuação isolada, que não afeta o restante do corpo. O corpo é levado a se acostumar em ser um corpo isolado, segmentado, furado, para ser facilmente moldado e endurecido, e dessa forma multiplicado-padronizado. E ao mesmo tempo ele passa a ser um objeto de poder e desejo. O corpo isolado em si, padece de seu espírito, matando, a cada instante, a ideia potente de existir, fora de um eixo determinante e dominante da racionalidade.
Trazemos para essa conversa Foucault, que consolida esse pensamento acerca dos corpos com uma propriedade da ideia de corpo:
Mas o corpo também está diretamente mergulhado num campo político; as relações de poder têm alcance imediato sobre ele; elas o investem, o marcam, o dirigem, o supliciam, sujeitam-no a trabalhos, obrigam-no a cerimônias, exigem-lhe sinais. Este investimento político do corpo está ligado, segundo relações complexas e recíprocas, à sua utilização econômica; é, numa boa proporção, como força de produção que o corpo é investido por relações de poder e de dominação; (...) esse controle constituem o que se poderia chamar a tecnologia política do corpo. Essa tecnologia é difusa, claro, raramente formulada em discursos contínuos e sistemáticos; compõe-se muitas vezes de peças ou de pedaços; utiliza um material e processos sem relação entre si. (...) Trata-se de alguma maneira de uma microfísica do poder posta em jogo pelos aparelhos e instituições, mas cujo campo de validade se coloca de algum modo entre esses grandes funcionamentos e os próprios corpos com sua materialidade e suas forças. (Foucault, p. 29 - 30).
Corpos rachados
Falando das pessoas que vivem em ambientes periféricos ou distantes de uma ideia de centro de produção cultural de massa, nos colocando nessa situação pela nossa origem cultural e econômica, encontramos em nossos corpos, marcas de um processo de industrialização, em que esses corpos são moldados e massacrados por padronizações de comportamentos, sentimentos gestos e gostos. Muitas vezes nos perdemos nesses corpos mobilizados por dispositivos disciplinares que projetam em nós um modo de existir que nos exclui de determinados ambientes em diferentes ‘espaçostempos’. Quando nos vemos nessa situação, nos deparamos com o autocontrole e a autocensura, nos negando acessos, por exemplo, de estar num centro de artes, cinema, praça, escola, museu, baile, num terreiro de candomblé, por acreditarmos que não podemos ocupar esses ambientes porque não são feitos para nós, ou nós não pertencemos a estes espaços.
Ao mesmo tempo criamos situações de subversão do controle hegemônico consolidado e estas nos levam a criar micros autocontroles. Esta subversão ora vem pela arte, ora pelo comportamento, por gestos que criam estranhezas no senso comum. Lidar com essas rachaduras que criam sulcos e faz com que esses corpos quase mutilados, que se colam, se decalcam, se remendam, ou se descolam, ao se esvair pelas fendas da subversão, se experimentam como um corpo pleno, como Deleuze e Guattari (2007), experimentam um corpo sem órgãos, na sua própria beleza e estranheza.
Um corpo sem órgãos, não é um corpo vazio, desprovido de órgãos, mas um corpo sobre o qual o que serve de órgãos (...) sob forma de multiplicidades moleculares. (...) É um corpo vivo, tão vivo e tão fervilhante que ele expulsou o organismo e a sua organização” (DELEUZE, GUATTARI, 2007, p. 43).
Num corpo sem órgãos, ao buscar outras formas de existir, expressam as subversões nos modos de vestir, no usos dos cabelos - blacks, coloridos, nos jeitos de caminhar, de falar, de consumir outras modos culturais, e na criação de outras linguagens corpóreas e artísticas, que como linhas de fuga, escapam por um determinado tempo do sistema hegemônico, até se reterritorializar (DELEUZE, GUATTARI, 2007) pela imposição do capitalismo.
Faz-se uma ruptura, traça-se uma linha de fuga, mas corre-se sempre o risco de reencontrar nela organizações que reestratificam o conjunto, as formações que dão novamente o poder a um significante, atribuições que reconstituem um sujeito - [...] Os grupos e os indivíduos contêm microfascismos sempre à espera de cristalização. [...] Como é possível que os movimentos de desterritorialização e os processos de reterritorialização não fossem relativos, não estivessem em perpétua ramificação, presos uns aos outros? (DELEUZE, GUATTARI, 2007, p.18).
Corpos tecnológicos
Voltando a conversa acerca da oficina “Corpos Tecnológicos”, trabalhamos por 4 dias, numa ideia de imersão, as emoções e como os corpos são afetados por elas no dia a dia e, ainda, como essas emoções são reprimidas numa tentativa de serem racionalizadas. A criação da dicotomia no mundo moderno cria segmentações e cisões nos aspectos mais profundos dos sentimentos, isolando uma suposta racionalidade da emoção, enfatizando a dureza dos corpos. Porém, não somos uma coisa ou outra, a razão passa pela emoção, para expressarmos algum sentimento, pensamento, precisamos antes passar pela emoção, pela sensação dos corpos afetados, numa maneira híbrida ‘sentirpensar’ que consolida, ainda que momentaneamente, uma idéia, uma sensação, uma expressão. Maturana (2002) discute essa dicotomização entre razão e emoção, como limitação e redução da condição humana na sua existência. Ele diz:
O humano se constitui no entrelaçamento do emocional e racional. O racional se constitui nas coerências operacionais dos sistemas argumentativos que construímos na linguagem, para defender ou justificar nossas ações. Normalmente vivemos nossos argumentos racionais sem fazer referências as emoções a que se fundam, porque não sabemos que eles e todas as nossas ações têm um fundamento emocional, e acreditamos que tal condição é uma limitação ao nosso ser racional. Mas o fundamento do racional e emocional é uma limitação? [...] Quer dizer que ao nos declararmos seres racionais, vivemos uma cultura que desvaloriza as emoçõe, (...) não nos damos conta que todo sistema racional tem fundamento emocional. (...) emoções são disposições corporais dinâmicas que definem os diferentes domínios de ações que nos movemos. Quando mudamos de emoção, mudamos de domínio de ação. Na verdade, todos sabemos disso na práxis cotidiana, mas negamos, porque insistimos que o que define nossas condutas é elas serem racionais. (MATURANA, 2002, p. 18, 15).
Se as emoções são disposições corporais dinâmicas que definem os diferentes domínios de ações que nos movem, podemos considerar o corpo como um dispositivo performático de nossas emoções, em que compartilhamos pensamentos. Um corpo performático é um corpo flexível, que atua nos seus diferentes domínios e investiga constantemente suas limitações e desafios na existência, criando e criando e criando... outros modos de existir e se fazer em si.
A arte da ‘performance’ é evidenciar essas disposições e dimensões corporais dinâmicas que definem estes diferentes domínios de ações. Está para além da palavra, do oral, do verbo. São outras conversas, que passam pela linguagem das coordenações consensuais das ações (MATURANA, 2002, p.20), e para essa conversa faço uso de Guattari que nos inspira:
A arte da performance, liberando o instante à vertigem da emergência de Universos ao mesmo tempo estranhos e familiares, tem o mérito de levar ao extremo as implicações dessa extração de dimensões intensivas, a-temporais, a-espaciais, a-significantes a partir da teia semiótica da cotidianidade. Ela nos evidencia a gênese do ser e das formas antes que elas tomem lugar nas redundâncias dominantes como a dos estilos, da escola, das tradições da modernidade. Mas essa arte me parece menos resultar de um retorno a uma oralidade originária do que uma fuga para frente nas maquinações e nas vias maquínicas desterritorializadas capazes de engendrar essas subjetividades mutantes. (...) De uma modo mais geral, todo descentramento estético dos pontos de vistas, toda multiplicação polifônica dos componentes de expressão, passam pelo pré-requisito de uma desconstrução das estruturas e dos códigos em vigor e por um banho caósmico nas matérias de sensações, a partir das quais torna-se-a possível um recomposição, uma criação (...) do mundo, (...) não apenas das formas, mas das modalidades de ser. (GUATTARI, 2008, p.114-115).
As conversas: metodologia-epistemologia nos/dos/com os cotidianos
Desenvolvemos a pesquisa a partir dos sentidos, sensações e emoções, por isso, a metodologia é atravessada pelas conversas, no sentido de compreender os usos e os modos de ‘fazeressaberes’ ‘nosdoscom’ os cotidianos. As ‘conversas’, para nós que pesquisamos com os cotidianos, se dão com os personagens conceituais (DELEUZE, GUATTARI, 1992), que marcam pontos de encontros nas pesquisas, assim como os sons atribuídos aos ruídos dos corpos, os gestos, os movimentos, as imagens produzidas, os próprios corpos e suas tessituras, os artefatos e os outros. A ‘conversa’ (ALVES, FERRAÇO, 2018), propõe deslocamentos, alterando nossas emoções e afirmando nossas diferenças em múltiplas criações e narrativas corpóreas. A ‘conversa’, como um dispositivo de afeto, estreita gestuais de amizade, está para além de estabelecer um debate. É um encontro de amizade, em que se se leva em consideração coordenações consensuais de ações nos gestos e gostos de afetos, assim, para Alves e Ferraço,
Vamos nos dar conta de que, quando nos envolvemos em conversas tecidas por relações de afetos-amizades, quando nos dispomos entrar numa rede de conversações em nossas pesquisas, buscando potencializar potencializar encontros com os [...] ‘praticantespensantes’ dos cotidianos, (...) nunca saberemos aonde as conversas poderão nos levar e, para nós, aí reside o mistério e a magia das práticas da conversa: nos deixar levar pelas redes e pelas diferenças que atestam a permanente novidade da vida. (ALVES, FERRAÇO, 2018, p. 62-63).
Nesse envolvimento de amizade e alteridade, o grupo formado por 16 pessoas, trouxe para esta ‘conversa’ suas aflições com as maneiras como percebem seus corpos negligenciados e alterados na sua dimensão tecnológica e na contenção de suas emoções e pensamentos. Alguns trouxeram a ideia de seu corpo como um dispositivo tecnológico, quando sentem na pele o arrepio das emoções ao conectar-se com uma memória ou colocar-se numa situação de anulação. Outros falam do seu sentimento de um corpo tecnológico quando percebem a sinestesia das sensações e quando entendem que o corpo não é um componente segmentado, endurecido, e sim que está adormecido nas suas sensações e emoções, e que basta um dispositivo, seja por uma vivência corporal, por um som ou um silêncio, para um estímulo à conexão com seus códigos abertos e fechados, para se fazendo entender na dinâmica dos próprios corpos.
A ideia de código aberto e fechado é uma analogia à computação, em que se estruturam as questões por códigos fechados, comercializados, e numa condição de socialização de seus usos, levam ao hackeamento. Os códigos abertos, por sua vez, são os códigos socializados , livres.
Nas conversas acerca de códigos abertos e fechados, uma das pessoas falou sobre sua experiência de entrar no bandejão da Universidade; da forma que estava vestido, seus gestos causavam estranhamento. E, em um instante, teve que observar a movimentação do espaço e se entender dentro dele. Nessa narrativa, outro participante faz uma análise do seu movimento como um hackeador, ‘hackear’ a dor dos comportamentos e emoções que habitavam aquele ambiente e rapidamente ter de decodificar a situação e se reorganizar acessando seus códigos e abertos e fechados, para uma possível adaptação, entendendo os estranhamentos mútuos daquele ambiente.
A vivência aconteceu, primeiramente pela conversa acerca dos corpos tecnológicos, em seguida criamos um ambiente de conexão com as tecnologias de nossos corpos, por meio de uma orientação de sensações. E após esse momento conversamos, a partir desses acessos que cada pessoa fez consigo ao sentir o corpo e pensar nas experiências cotidianas desse corpo na rotina da mecanização dos corpos. À medida que as pessoas traziam suas impressões íamos fazendo conexões com outros artefatos tecnológicos como, sensores de presença de áudio e imagem, lâmpadas de led, materiais eletroeletrônicos, softwares de manipulação de imagens usados por VJs, dentre outros que podem potencializar um movimento performático, trabalhando estética e ética como expressões artísticas indissociáveis.
Na imagem 1, que mostra a investigação de movimentos repetidos na rotina que vai anulando os contatos mais sensíveis, embrutecendo as relações. O grupo fez uso de leds para simbolizar os afetos neutralizados e quando se harmonizam passa a ter uma harmonização nas luzes disparadas por sensores.
imagem 1: performance rotina, uso de leds para simbolizar os afetos
imagem 2: projeções que suscitam comportamentos de códigos abertos e fechados
Essas pessoas, nos seus ‘fazeressaberes” artísticos, atuam em diferentes linguagens com produção de vídeo, computação gráfica, performers, investigadores de desenvolvimento de arte digital nas aplicações de sensores e realidade virtual e aumentada. Esse hibridismo de linguagem e técnica levaram ao experimento apresentado na imagem 2, que traz um movimento performático que é disparado por sensores sonoros que sinalizam o estado de espírito e emoção de cada integrante ao ver determinadas imagens. A intenção é mostrar que cada pessoa na sua singularidade se afeta de maneiras diferentes nas situações da vida.
Escaneamento dos corpos emoções
Vamos relatar uma das experiências performáticas que surgiram desse laboratório foi “O escaneamento dos corpos e emoções”. Este trabalho realizado por três homens e uma mulher, traz relação automatizada entre os usos de diferentes artefatos como dispositivos de muitas interfaces, assim como o celular que é originalmente um objeto de fala, mas que, com seus inúmeros aplicativos e artefatos, desempenha inúmeras funções analogicamente humanas, fotografar, ouvir, escrever, acionar comandos; e ações desde um despertador até criar ambientes de conversas e compartilhamentos de sensações e sentimentos.
Nesta relação automatizada, o grupo critica também as relações de docilização dos corpos nos condicionamentos estruturantes da máquina social. Então este grupo criou uma peça performática, imagem 3, que se desenvolve por meio de poesia e que traz as marcas dos condicionamentos ordinários. Esses condicionamentos também ganham uma forma imagética com espectros de luz formados por ruídos de cor, manipulados em software de edição de imagens.
imagem 3: corpos hackeados projeção
A aplicação técnica se dá na produção da imagem, escaneando o corpo de um dos integrantes. Em seguida, cria-se um código de leitura das emoções que variam entre raiva, amor, aflição, tristeza, alegria dentre outras e são relacionadas a determinadas cores. Dessa forma, ao ler os trechos da poesia que trazem diferentes sentimentos, são acionados efeitos pré-setados para cada emoção, causando interferência na imagem escaneada, que sofrerá ruídos de cor.
Durante a performance, o scanner é conectado ao computador com um programa de VJ, com os presets dos ruídos de cor e ranhuras nas imagens. Os corpos são escaneadas em tempo real e as imagens projetadas numa superfície determinada.
A cena é uma triangulação que roda, em que três pessoas se posicionam em três pontos da sala, dois dos pontos são marcações de reação dos dois atores em relação ao terceiro ator que se posiciona no ponto da câmera, onde diante dessa câmera, o scanner captura a imagem desse corpo que fala um trecho do poema. Num movimento circular cada um dos atores em pelo menos sete rodadas passam pelo scanner que vai gerando a imagem daquele corpo que recita, com a interferência criada para aquela emoção. A Imagem projetada também recebe uma iluminação diferenciada. A composição final é formada pela triangulação que circula a sala, a projeção é composta, assim, pelo escaneamento e o ator que está sendo escaneado. As imagens 3, 4 e 5 mostram a movimentação da performance, onde se traz a poesia narrada, as imagens captura e escaneadas e projetadas a partir do hackeamento e escaneamento dos corpos.
imagem 4: corpos hackeados poema
imagem 5: corpos hackeados
A sensação para o espectador é de estar imerso num furacão angustiante de emoções, fazendo conectar-se diretamente com os fazeres e os papéis sociais e como a automatização desses fazeres nos coloca tão dispersos, tão insensíveis aos nossos sentimentos e reconhecimento desse corpo.
O que é há então de tecnológico nos corpos e na vida?
Costumamos dizer que aquela paisagem é tão incrível que parece uma fotografia, ou que as máquinas são tão perfeitas que conseguem enxergar coisas que nossos olhos não veem, ou ainda que a câmera é uma extensão dos nossos corpos. Que este ou aquele gravador de som é tão potente que é capaz de capturar os agudos, graves. Que os sons e imagens capturados nos fazem sentir cheiros e despertam a fome, causam náuseas. Apesar de normalmente criarmos estas associações entre o corpo e o tecnológico, não cogitamos pensar em nossos corpos como uma tecnologia propriamente dita. Se pararmos para tentar definir o que é uma tecnologia, podemos chegar à definição de que tecnologia pode ser todo artefato que o ser humano desenvolveu para transformar a sua relação com o ambiente que o cerca. Outros seres vivos também desenvolveram artefatos que condicionam a sua relação com seu ambiente, como o joão de barro que monta sua casa, ou até mesmo os primatas que manuseiam outros objetos, como as abelhas que criam suas colmeias equipadas para o acondicionamentos do mel e que ainda exercem a função da polinização para a manutenção das espécies. Como a própria natureza que se reinventa, numa catástrofe natural ou induzida. Todas essas adaptações, transformações, manipulações dadas pelas tecnologias naturais e que,por serem quase invisíveis ou não percebidas dessa forma por uma estrutura dominante, tornam-se menos importante.
Mas o que nos convém nessas considerações é pensar o próprio Corpo Vivo e Pleno, na sua complexa rede mecânica, sensorial e espiritual que permitem gestos potentes, ágeis, suaves e delicados e nas relações sinápticas expressam diferentes maneiras experimentações nas artes.
Os corpos nas suas especificidades são o arcabouço material e mental que permitem o desenvolvimento das diversas tecnologias que habitam nossos cotidianos. Mas as mesmas só são desenvolvidas porque os próprios limites do corpo são ultrapassados a cada relação ou inovação com determinada tecnologia. Será que os aviões existiriam se os corpos humanos possuíssem a habilidade de voar por si só?
A contemporaneidade urbana nos faz questionar ainda mais o tecnológico presente nos corpos. Hoje é praticamente impossível realizar uma simples tarefa sem o intermédio de um artefato manual, eletrônico e digital, por isso essa relação desenvolve este caráter simbiótico, onde o ser humano cria uma relação de dependência e necessidade de tecnologias mecânicas, digitais ou analógicas.
O corpo se torna um refém das estruturas sociais, mas o próprio corpo que é tecnologia pode romper com as amarras que nos subjugam, e a arte, ela é uma potente tecnologia sensorial que nos atravessa e nos permite sintonizar nossos corpos como corpos vivos e plenos, mesmo fazendo uso das outros artefatos tecnológicos.
Referências
ALVES, Nilda. FERRAÇO, Carlos Eduardo. Conversas em rede pesquisas com os cotidianos: a força das multiplicidades, acasos, encontros, experiências e amizades. In: RIBEIRO, Tiago. SAMPAIO, Carmen Sanches, SOUZA, Rafael, (Orgs.). Conversa como metodologia de pesquisa, por que não? 1ª edição. Rio de Janeiro: Ayvu, 2018, p. 62-63.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é Filosofia? Tradução: Peter Pál Pelbart. 1ª edição. São Paulo: Ed.34, 1992.
____. Mil platôs, capitalismo e esquizofrenia. 1ª edição. São Paulo, Ed. 34, 2007, p.18)
GUATTARI, Felix. Caosmose, um novo paradigma estético. Tradução: Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Claúdia Leão. 1ª edição.São Paulo: Ed. 34, 2008, p.114-115
Documentos eletrônicos
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, nascimento da prisão. Tradução:Raquel Ramalhete. 20ª Edição. Petrópolis: Ed. Vozes, p. 29-30, 1997. Disponível.em: <http://escolanomade.org/wp-content/downloads/foucault_vigiar_punir.pdf>. Acesso em: 01/06/2019.
MATURANA Humberto. Emoções e Linguagem na educação e na política. Tradução: José Fernando Campos Fortes. 1ª edição. Belo Horizonte: Ed UFMG, 2002, p. 15, 18, 20. Disponível em: <https://mariotavares.com.br/_textos/emocoeselinguagemnaeducacaoenapolitica.pdf>. Acesso em: 09/09/2018.
Currículo
Noale Toja
Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Educação (ProPEd)/UERJ), na Linha Currículos, redes educativas, imagens e sons, sob orientação da professora Nilda Alves. Membro do Laboratório Educação e Imagem, (www.lab-eduimagem.pro.br)/UERJ. É colaboradora do Oi Kabum! Lab || http://oikabumlab.org.br/site/ .
Marco Correa
Graduado em pedagogia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ|PropEd. Integrante do Laboratório Educação e Imagem (www.lab-eduimagem.pro.br)/UERJ. , Brasil
marcao_cp2@hotmail.com
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